Adeus Integridade.
Por Yosef Y. Jacobson
Campos e Lares
A porção Behar da Torá
discute as leis sobre a venda da terra na Terra Santa.
Depois que o povo judeu
entrou na Terra de Israel em 1273 AEC (o ano 2488 desde a Criação no calendário
judaico), Yehoshua, o líder judeu, designou um pedaço de terra para toda tribo
e família, como está registrado no Livro de Yehoshua. Se um judeu passava por
dificuldades e era obrigado a vender sua terra ancestral, a Torá – a
constituição do Judaísmo – lhe dava o direito de redimi-la dois anos após a
data da compra. O vendedor devolvia o dinheiro ao comprador e recebia o campo
em retorno. Se ele não o redimisse, o campo retornava automaticamente para ele
com a chegada do Ano Jubileu.
O que era o Ano Jubileu?
Depois que o povo judeu
completou a colonização da terra de Israel 14 anos depois de ali entrar, eles
começaram a contar os anos em ciclos de cinquenta. Cada 50º ano era observado
como um Ano Jubileu durante o qual pedaços de terra ancestrais que tivessem sido
vendidos durante os 49 anos anteriores, revertiam ao dono original. Quase
nenhuma venda ou presente em Israel era legal por mais de 49 anos. Esta era a
lei sobre a venda de um campo.
O que acontecia se um
judeu pobre fosse forçado a vender uma casa ancestral localizada dentro de uma
cidade murada em Israel? Aqui a lei mudava dramaticamente. Esta casa, declara a
Torá, poderia ser redimida somente até o primeiro aniversário da venda. Depois
disso, permanecia como propriedade do comprador perpetuamente, e não voltava ao
vendedor com a chegada do Ano Jubileu (a menos que o comprador quisesse vender
a casa de volta para o vendedor original).
Kibutz em Israel |
E se um judeu vendesse
uma casa ancestral localizada numa cidade não murada? Aqui a lei constitui o
“melhor de dois mundos” dos dois casos anteriores. A casa podia ser redimida
imediatamente após a venda, assim como uma casa numa cidade murada. E mesmo se
não fosse redimida durante o primeiro ano da venda, ainda podia ser recuperada
mais tarde, até a chegada do Ano Jubileu, quando retornava ao proprietário
original, assim como a lei sobre o campo.
Renda vs. Dignidade
Qual é a lógica entre as
três diferentes leis sobre a venda de 1) campos, 2) casas em cidades muradas, e
3) casas em cidades não muradas?
Um dos maiores comentaristas
bíblicos, o sábio espanhol do 13º século, Rabi Moses ben Nachman, conhecido
como Nachmânides, explica o raciocínio de uma maneira comovente: Vender seu lar
pessoal devido ao empobrecimento afeta não a sua renda (uma casa não produz
lucros regulares), mas sua dignidade.
Vender seu campo
significa ter decido à pobreza, por outro lado, pode afetar sua renda (um campo
produz lucros regulares) mas não sua honra pessoal. Para preservar a dignidade
de um indivíduo empobrecido que foi forçado a abrir mão de sua casa, a Torá lhe
permite recuperá-la imediatamente após a venda, durante todo o primeiro ano,
assim que ele conseguir o dinheiro. Depois que termina o ano, porém, ele
certamente já se mudou para outra casa; agora o comprador pode segurar sua
compra por quanto tempo desejar. Não pode mais ser recuperada.
Sobre um campo, porém,
que afeta a renda da pessoa e não sua dignidade, a redenção a curto prazo era
desnecessária. A única preocupação da Torá era que o campo fosse devolvido ao
dono original quando da chegada do Ano Jubileu, a fim de não privar uma pessoa
e sua família de sua fonte natural de renda.
Casas em cidades
abertas, diz Nachmânides, eram frequentemente usadas por fazendeiros e
guardiões de campos. Assim, eram tratadas como os próprios campos e precisavam
ser devolvidas ao dono no Ano Jubileu. Porém como a venda (assim como a venda
de casas completas em cidades muradas) era constrangedora para o vendedor, elas
também podiam ser recuperadas imediatamente após a venda, mesmo antes de se
passarem dois anos.
A Dimensão Psicológica
Todas essas leis se
aplicavam apenas quando toda a nação judaica estava vivendo em Israel, cada
tribo habitando a terra a ela designada. Quando as primeiras tribos judaicas
foram exiladas de sua terra, há cerca de 2.600 anos, as leis do Ano Jubileu e
leis da venda de terras não eram mais aplicáveis. Porém cada mitsvá e cada lei
na Torá consiste em uma dimensão psicológica e espiritual, bem como uma
dimensão física e da vida real. É esta dimensão que ainda é muito relevante atualmente.
Qual é o significado
metafísico por trás dessas leis?
Vender sua Carreira,
Casa e Alma
Campos, casas
localizadas em cidades não muradas, e casas em cidades muradas, simbolizam três
aspectos da nossa vida diária: os campos representam a carreira da pessoa e
suas interações em compras diárias no mundo exterior, no “campo”.
Casas situadas em
cidades não muradas representam o lar interior da pessoa e a vida em família,
que não estão expostas para observação de todos.
Casas localizadas em
cidades muradas, cercadas por um muro adicional de proteção, simbolizam o
espaço mais vulnerável e íntimo da vida da pessoa, geralmente guardado por uma
fortaleza adicional de privacidade. Isso representa um relacionamento interior
da pessoa com o seu ser íntimo, sua alma. Seu D'us, seus momentos de prece,
meditação e transcendência.
Aqui, a Torá nos dá um
projeto daquilo que transpira quando “vendemos” e dispomos de nossas carreiras,
lares e de nós mesmos.
Adeus Integridade
Quando você vende seu
campo, i.e., quando permite que sua carreira e seus encontros externos diários
se tornem manchados pela desonestidade e egoísmo – você pode escapar sem
perceber sua degeneração moral por dois anos inteiros. Somente após dois anos
de decadência moral e espiritual você começará a sentir o vácuo em sua vida. A
depravação causada pela “venda” de sua integridade começará a assombrá-lo.
Então, quando você estiver consciente e frustrado, pode liberar seu campo e sua
vida. Mesmo se não o fizer, o tempo e as experiências da vida provavelmente
farão isso. No 50º ano, você terá de volta o seu campo. Mas por que esperar
tanto?
Adeus Amor
Chega então a situação
muito mais séria em que você “vende” sua casa, i.e., perde contato com os entes
queridos, sua esposa, seus filhos e seus amigos mais próximos. Em sua presunção
você entra numa bolha particular e se afasta das pessoas mais próximas a você.
Abre mão do seu lar.
“O que é Lar?” perguntou
Ernestine Schumann-Heink. Sua resposta: “Um teto para se proteger da chuva.
Quatro paredes para manter o vento do lado de fora. Pisos para manter o frio
longe.” Sim, porém lar é mais do que isso, É a risada de um bebê, a canção de
uma mãe, a força de um pai. O calor de corações vivos, a luz de olhos felizes,
bondade, lealdade, companheirismo. O lar é a primeira escola para os
pequeninos, onde eles aprendem o que é certo, o que é bom e o que é bondoso.
Onde eles vão em busca de conforto quando estão magoados ou doentes. Onde a
alegria é partilhada e a tristeza aliviada. Onde pais e mães são respeitados e
amados. Onde os filhos são desejados. Onde a comida mais simples é
suficientemente boa para reis porque é conquistada. Onde o dinheiro não é tão
importante como o amor. Onde até a chaleira canta de felicidade. Isso é lar.
D'us o abençoou.
E quando você abrir mão
de seu lar, sentirá imediatamente o vazio. Sua vida se tornará mais superficial
e artificial. Como a dor será sentida imediatamente, você de fato é capaz de
liberar sua casa logo após a “venda”.
Mais uma vez, mesmo que
você não possua a coragem de mudar, o tempo e a jornada da vida geralmente
mudarão você. Mas por que esperar? Quem sabe o que pode transpirar até então?
Você ainda terá a chance de consertar relacionamentos rompidos?
Adeus D'us
Então vem a terceira
condição, a mais grave – quando você “vende” seu espaço mais íntimo, quando se
torna alienado do seu senso mais profundo de ser, do seu relacionamento íntimo
com D'us. Num evento desses, você pode sentir imediatamente o extraordinário
vácuo e assim liberar sua alma de imediato. Mas se você esperar mais de um ano,
provavelmente perderá a chance de liberar sua identidade interior novamente.
Quando você permite que
as pressões ou divertimentos externos da vida o roubem de seu âmago interior,
quando não mais dedicar vinte minutos por dia para abrir seu coração ao
Criador, quando não tiver tempo para a essência de tudo, logo perderá contato
com a noção de que já teve alguma inocência para perder. Você talvez não saiba
mais que havia algo para liberar.
É doloroso perder coisas
(“campos”) na vida. É ainda mais doloroso perder pessoas (“lares”) na vida.
Porém a pior dor de todas é quando perdemos nossa conexão com a quintessência
da vida e da realidade, com D'us. Simplesmente não podemos nos dar ao luxo de
perder nossas almas. Nenhum de nós pode se dar ao luxo de sacrificar nossos
poucos momentos íntimos de prece e união com D'us por causa de outras
responsabilidades ou prazeres. Pois sem este relacionamento, poderíamos um dia
olhar no espelho e observar um corpo vivo tendo no interior uma alma vazia.
Shabat Shalom,
Rabino
Eddy Khafif
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