Nesta semana começamos o último livro da Torá, Devarim, que traz o discurso de despedida de Moshé antes do seu falecimento. Moshé recordou os principais acontecimentos nos 40 anos em que o povo judeu permaneceu no deserto. Ele aproveitou para chamar a atenção do povo de alguns erros graves que eles haviam cometido, para que aprendessem com os erros do passado e não voltassem a cometê-los no futuro.
Um dos pontos relembrados por Moshé na Parashat desta semana, Devarim (literalmente “Palavras”), foi o terrível erro dos espiões, que foram enviados para verificar a Terra de Israel e voltaram trazendo um péssimo relato, denegrindo a terra sagrada que D’us havia prometido ao povo judeu. Desmotivado, o povo inteiro chorou. Este dia era Tishá Be Av (o nono dia do mês judaico de Av), e D’us jurou que, como o povo havia chorado sem motivo, então teriam motivos para chorar, pois aquele dia seria marcado, por todas as gerações, como um dia de tragédias e tristeza. Neste dia os nossos dois Templos Sagrados foram destruídos, milhares de pessoas foram assassinadas, os judeus foram expulsos da Espanha e Portugal, entre outras tragédias. E, neste sábado, após o término do Shabat (21/julho), começaremos a reviver este dia de choro, jejum e tristeza.
Porém, ao refletirmos sobre o significado do dia de Tishá Be Av, surge uma grande pergunta. Se parte principal da nossa tristeza é pela destruição dos nossos Templos Sagrados, por que deixamos para nos enlutar e nos entristecer apenas durante um pequeno período do ano, que vai do dia 17 de Tamuz e atinge o seu auge em Tishá Be Av, um período de 3 semanas conhecido como “Bein HaMetzarim” (“Entre os apertos”)? Não deveríamos estar em luto durante o ano inteiro?
Explicam os nossos sábios que a perda dos nossos Templos Sagrados é tão trágica que realmente deveríamos viver em um estado permanente de luto. Entretanto, ninguém conseguiria viver desta maneira durante o ano inteiro. Por isso, nossos sábios fixaram apenas este período de 3 semanas, no qual diminuímos as nossas alegrias e nos comportamos como pessoas enlutadas. É neste período que paramos para refletir e lembrar que as coisas não são como deveriam ser. Não temos mais o nosso Templo Sagrado, o povo judeu está no exílio e vivemos em uma época de “ocultação da Face de D’us”, na qual a Supervisão Divina não é mais tão evidente. E, em especial no dia de Tishá Be Av, nós focamos nos eventos históricos que refletem esta “ocultação da Face de D’us” como uma maneira de internalizar e sentir o terrível estado no qual nos encontramos.
Em diferentes momentos da história do povo judeu, a “ocultação da Face de D’us” se manifestou de diversas formas. Durante muitas gerações sua principal expressão foi através de um antissemitismo venenoso. Os judeus mantiveram firmemente os ensinamentos da Torá que haviam recebido de seus antepassados, mesmo que muitas vezes tiveram que abrir mão de suas próprias vidas para fazê-lo. O acontecimento mais recente, e que ainda nos dói de maneira profunda, foi o Holocausto, quando seis milhões de judeus foram assassinados a sangue frio apenas por serem judeus. O incalculável sofrimento pelo qual o povo judeu passou é algo que as pessoas legitimamente focam em Tishá Be Av. Ao recordarmos estes eventos trágicos da nossa história, nós ficamos mais conscientes das terríveis consequências desta “ocultação da Face de D’us”.
Porém, explica o Rav Yehonatan Guefen que, apesar deste comportamento ser louvável, ele não consegue representar a principal manifestação da “ocultação da Face de D’us” que ocorre nos nossos dias. Atualmente, o antissemitismo viral e venenoso se encolheu. Não sumiu completamente, pois de tempos em tempos ele ressurge, através de leis antissemitas que nos proíbem de cumprir certas Mitzvót e movimentos cujo intuito é denegrir e boicotar o povo judeu, escondidos atrás de máscaras de “politicamente correto”. Mas a principal manifestação da “ocultação da Face de D’us” nos nossos dias é o terrível estado no qual se encontra a observância das Mitzvót da Torá pelo povo judeu. Temos uma vaga noção de que algo não vai bem, mas será que imaginamos o verdadeiro estrago espiritual que isto está causando ao povo judeu?
Atualmente, o povo judeu sofre com a perda de identidade judaica. A porcentagem de casamentos mistos nos Estados Unidos, por exemplo, que em 1950 era de apenas 6%, já chegou a atuais 70%. Mais de 2 milhões de judeus não se identificam mais como judeus. E mesmo entre os que se identificam como judeus, mais de 2 milhões não tem absolutamente nenhum tipo de conexão com o judaísmo. Mais de 600 mil judeus praticam outras religiões. E o mais triste é constatar que apenas 11% dos judeus costumam frequentar as sinagogas. Dezenas de casamentos mistos ocorrem todo mês. Isto significa que, durante o tempo em que estivermos lendo este texto, certamente mais um judeu estará se perdendo para a assimilação. Apesar de muitos estarem cientes destas terríveis estatísticas, elas podem estar em nossas cabeças, mas estão bem longe de nossos corações. Sabemos de forma intelectual, mas não conseguimos sentir a dor da perda dos nossos irmãos.
Até o ano de 1967, os judeus não tinham acesso ao Kotel, pois Jerusalém estava dividida e a parte oriental da cidade estava nas mãos dos jordanianos. Foi somente após a vitória na Guerra dos 6 dias que os judeus voltaram a ter acesso ao Kotel. Naquele ano, um jovem se alegrou ao comentar com seu rabino que seu Tishá Be Av seria diferente, pois poderia ver o Kotel, a única parte remanescente do nosso Templo, e seria mais fácil sentir no coração a tristeza pela destruição dos Templos. O rabino, ao escutar o comentário do seu aluno, respondeu com tristeza: “Meu querido, para sentir a destruição do Templo não é necessário ir até o Kotel. Suba em algum prédio e veja o comportamento do povo judeu. Veja quantas transgressões, quanta assimilação, o quanto as pessoas estão afastadas da Torá. Esta é a melhor forma de sentir tristeza pela destruição do Templo”. Portanto, Tishá Be Av é o momento de arrancarmos a ilusão de que está tudo bem. Não, não está tudo bem. Nós precisamos encarar a verdade e, acima de tudo, aceitar a responsabilidade pela situação em que chegamos. Precisamos sentir, em especial em Tishá Be Av, a dor da realidade, não podemos fugir disso. A assimilação está presente em todos os lugares, a destruição espiritual é trágica.
Porém, talvez a coisa mais importante para refletirmos em Tishá Be Av é: como D’us se sente com esta situação? Imagine um pai de família, uma pessoa temente a D’us, que tem 10 filhos. Este pai tem sucesso em educar seus 10 filhos para que sejam bons judeus, cumpridores das Mitzvót da Torá. Porém, 9 deles seguem o caminho exatamente como o pai esperava, enquanto um deles escolhe um caminho mais “leniente”, relaxando no cumprimento das Mitzvót. Este pai não se sentiria angustiado? E se este filho não tivesse apenas relaxado no cumprimento das Mitzvót, e sim abandonado a Torá completamente? Certamente este pai sentiria uma dor incalculável. Agora, imagine que não apenas um filho tenha abandonado completamente a Torá, e sim dois filhos. Isto não seria terrível e desesperador? E se fossem 6 dos seus 10 filhos? E se mesmo entre os filhos que se mantiveram conectados com a Torá, a maioria se comportasse com desleixo no cumprimento das Mitzvót, este pai não sentiria uma angústia insuportável? Deve ser assim que D’us está se sentindo.
Cada judeu é um filho de D’us, e Ele sofre por Seus filhos que se afastaram. Tishá Be Av é o dia de encararmos a realidade. Esta triste realidade é o que a “ocultação da Face de D’us” representa, e é com esta situação que temos que lidar. D’us está oculto, Seus filhos não conseguem vê-Lo, eles mal sabem que Ele existe. Certamente há muito pelo que se enlutar e chorar. Que este seja o último Tishá Be Av de tristeza, e que este dia possa se transformar em um dia de alegria, quando todos os judeus saberão o que significa ser “um filho de D’us”.
Shabat Shalom
R' Efraim Birbojm
Pela memória de FAIGA BAT MORDECHAI HALEWY,Z"L
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