A terceira forma de Onaat Devarim
consiste em observações feitas sem
malícia contra alguém em
específico, mas são ditas por falta de sensibilidade ou
– pior ainda – por pura estupidez
ou falta de consideração.
Há alguns anos minha esposa
quebrou o tornozelo em três lugares.
Cirurgia, placas, parafusos –
todo o procedimento.
Ela ficou de cama por
alguns meses. Graças a D’us nossas crianças, amigos e vizinhos foram
maravilhosos e ajudaram muito. No processo de recuperação, visitas vinham
constantemente desejar-lhe uma pronta recuperação, algumas das quais também
tiveram um tornozelo quebrado. Ela me contou que as observações que ouviu
se encaixavam em duas categorias gerais. Havia quem lhe dissesse: “Eu também
quebrei meu tornozelo e prometo que você vai dançar de salto alto em
casamentos. Eu sarei e você também vai sarar!”.
Porém havia pessoas que diziam:
“Você sentirá dor toda vez que chover”.
Mesmo que seja verdade, qual o
sentido em dizer isso?
Este é um exemplo relativamente
brando. Ouvi histórias de pessoas que foram hospitalizadas com doenças
sérias e foram visitadas por algum amigo ‘brilhante’ que disse: “Meu tio
tinha o que você tem. Você não sabe o que ele passou”.
Mas o prêmio por insensibilidade
e estupidez pertence àqueles que vão consolar pais enlutados que estão
sentados de shivá (luto) por uma criança, D’us não o permita, e dizem:
“Com certeza deve ser uma punição por algo que vocês fizeram!”.
Eu gostaria de estar inventando
esses exemplos, mas não estou. Essas
coisas acontecem. E quando
acontecem, todos questionam: “O que aquela
pessoa estava pensando?” A
resposta, é claro, “Não estava”. Infelizmente há
pessoas que deixam escapar o que
vem à sua mente.
Uma vez li uma frase lamentável
que resume os nossos sentimentos quando ouvimos pessoas engajadas em Onaat
Devarim Insensíveis: “É uma pena que mais pessoas sejam descuidadas e
imprudentes (thoughtless) do que mudas (speechless)”.
Rav Haim Ozer Grodzenski
(Lituânia, 1863-1940) era conhecido por sua mente
extremamente afiada. Não há como
fazer justiça à sua grandeza em menos de
alguns volumes, mas basta dizer
que ele foi chamado de “raban shel kol benei
hagolá - o líder de toda a
Diáspora”, e que sua influência e orientação se
espalhou de Vilna para toda
comunidade judaica da Europa. Conta-se que ele
conseguia escrever duas respostas
haláchicas simultaneamente, uma com a mão direita e outra com a esquerda.
Por mais perspicaz e genial que fosse o seu
raciocínio, Rav Haim Ozer certa
vez fez uma Cabalá (tomou uma decisão) antes de Yom Kipur: “Lachshov
kodem kol dibur - pensar antes de falar”.
Se Rav Haim Ozer precisava pensar
antes de falar, provavelmente nos levaria uma semana para poder soltar uma
palavra.
OS TELEGRAMAS CUSTAM
A fala é muito preciosa, um dos
maiores presentes que Hashem nos deu.
Devemos começar a tratar as palavras
como dinheiro. Antes de gastar dinheiro,
pensamos duas vezes se a despesa
é justificada ou não. As palavras também
devem ser assim tão preciosas.
Aqueles que têm idade suficiente
para se lembrar dos telegramas sabem
que, ao enviar um telegrama, se
paga por palavra. Ninguém chegava ao balcão
do correio e começava a divagar,
porque não queria pagar demais. Antes de
enviar um telegrama a pessoa
sentava-se com caneta e papel e escrevia a
mensagem o mais breve e eficaz
possível. O Hafetz Haim, Rabino Israel Meir
Kagan (Polônia, 1839-1933), disse
que deveríamos falar como se estivéssemos
compondo um telegrama.
Precisamos nos tornar mais
sensíveis aos sentimentos dos outros e refletir
sobre as implicações e
ramificações de nossas palavras. Não vá a um serviço de
bufê e diga ao dono: “Sabe, uma
vez eu comi em tal e tal salão, e a comida
daquele bufê estava magnífica. Eu
nunca provei algo tão delicioso”. Como ele vai se sentir?
Se você for a um noivado e vir
uma pessoa mais velha ainda solteira, não diga “Nuuuu
?!” Você acha que ele ou ela não está tentando?
De fato, uma vez que um rapaz ou
moça chega a certa idade, fiz uma
política rígida para mim mesmo de
nem mesmo dizer: “Se D’us quiser, em breve com você”. Eu apenas penso
isso. Você pode imaginar como essa pessoa deve sofrer e ficar infeliz por
ouvir “Se D’us quiser, com você” centenas de vezes? Sensibilidade. Isso é
tudo que é preciso.
A casa do Rabino Yossef Haim
Sonnenfeld, o Rav de Jerusalém, era um
verdadeiro ‘domínio público’. As
pessoas vinham pedir berachot (bênçãos) e etzot (conselhos) todos os dias.
Isso acontecia o ano todo, mas em Hol HaMoed uma multidão de pessoas o
visitava. Quase todos os judeus de Jerusalém vinham lhe desejar ‘a Gut Yom
Tov’ e receber sua bênção.
Certo Hol HaMoed o Lubliner Rav,
Rabino Eliahu Kletzkin (Lituania e Israel,
1852-1932), estava visitando Rav
Yossef Haim enquanto o desfile de pessoas
passava por sua casa. De repente,
Rav Yossef Haim começou a fazer algo que
nunca havia feito antes. Ele
dizia a cada pessoa que chegava: “Mistame geit ihr
tzum Kosel” (Você provavelmente
está no seu caminho para o Kotel) ou “Mistamee kumpt ihr tzurik fun Kosel”
(Você provavelmente está a caminho de casa vindo do Kotel).
Durante o restante do dia
ele disse essas palavras para cada pessoa que entrava em sua casa.
Naquela noite, alguém lhe
perguntou por que de repente ele começou a
fazer essa declaração estranha a
cada pessoa. “O senhor nunca fez isto?!”
“Eu pensei comigo mesmo”,
explicou Rav Yossef Chaim, “que quando o
Rav Kletzkin visse tantas pessoas
vindo à minha casa, ele talvez não se sentisse
confortável. Ele também é um
talmid chacham muito grande e talvez sua casa
não fique tão cheia em Hol HaMoed.
Ao sugerir a cada pessoa que ela estava
vindo me ver apenas porque estava
a caminho do Kotel Hamaaravi, deixei Rav
Kletzkin com a impressão de que,
se ele também residisse a poucos minutos do
Kotel, ele também teria tantos
visitantes”.
Este é o polo oposto de Onaat
Devarim. É a isto que o Rei Salomão se
referiu com “u'leshon hahamim
marpê - a língua dos Sábios cura” (Mishlei 12:18). Suas palavras são
terapêuticas.
O PRÓXIMO PASSO
Não é suficiente, no entanto,
evitar magoar as pessoas. Devemos mudar o
nosso comportamento e aprender a
falar palavras que auxiliam, que curam.
Um metsorá (pessoa atingida por
uma doença espiritual chamada tzaraat, semelhante à lepra, geralmente como punição
por falar Lashon Hará) deveria trazer dois pássaros para expiar seus pecados. O
Zohar, o livro básico da Cabalá, explica que um pássaro perdoava pela fala
imprópria (por Lashon Hará, por Onaat Devarim) e o outro perdoava por
falas apropriadas (ou seja, positivas). Por que uma metsorá era obrigada a
trazer uma oferenda por falar boas palavras?
A resposta é que quando chegarmos
à corte celestial, além de sermos
responsabilizados por todas as
coisas desagradáveis que dissemos, também
teremos que dar contas por não
usarmos nossas bocas para elogiar as pessoas,
incentivá-las e fazê-las
sentir-se bem sobre si mesmas.
Todos temos uma coisa em comum.
Como se diz em inglês, estamos no
“business de palavras” e no
“business de pessoas”. Nós constantemente
conversamos. Podemos melhorar a
vida das pessoas ao nosso redor – nossos
cônjuges, nossos filhos, nossos
colegas de trabalho, nossos funcionários, nossos
alunos, nossas alunas – com
palavras! Palavras que não nos custam um centavo!
Falar uma palavra agradável,
fazer um cumprimento podem fazer a diferença na
vida de outra pessoa.
Recentemente minha esposa
precisou comprar um medicamento. O
farmacêutico ligou para dizer que
não tinha o remédio em estoque e que iria
encomendá-lo. Ele ligou uma
segunda vez para dizer que havia encomendado, mas a empresa enviou-o
com a dose errada. Ele ligou de volta uma terceira vez
para dizer que desta vez eles
enviaram a dose correta, mas a potência errada.
“Eu vou à outra loja da nossa
cadeia para ver se eles têm o item correto”, disse
ele. A propósito, este
farmacêutico trabalha para a maior cadeia farmacêutica de Maryland e não
para uma farmácia local.
Mas ele fez o que disse e ligaram
da farmácia para dizer que minha esposa poderia vir buscar seu medicamento.
Minha esposa queria agradecer ao
farmacêutico, mas ele não estava. Ela
escreveu um pequeno bilhete
agradecendo-lhe por seus esforços. Da próxima
vez que fui a essa farmácia, o
homem me disse: “Recebi o bilhete de sua
esposa. É tão bom receber uma
palavra gentil de vez em quando”.
Como vocês acham que foi o dia
nessa farmácia depois que o farmacêutico
recebeu essa nota? Tenho certeza
que os seus funcionários notaram uma
mudança na atitude do chefe.
Tenho certeza de que ele ficaria menos nervoso se algo desse errado,
porque estava de bom humor.
E aqueles
funcionários voltaram para casa de melhor humor e foram mais gentis com
suas famílias, porque seu chefe foi mais gentil com eles. Há um efeito
propagador na boa fala. Meu ponto aqui não é defender a causa dos farmacêuticos
e seus funcionários, mas defender a causa de nossos próprios cônjuges,
filhos e amigos. Nossas palavras podem criar uma diferença incrível em
suas vidas – se fizermos apenas o mínimo esforço para encontrar algo
agradável para dizer.
Nenhum homem é tão pobre que não
possa dar-se ao luxo de dar um elogio. E nenhum homem está acima de precisar de
um elogio e palavras de encorajamento. Não importa quão bem sucedido, quão
proeminente ou talentosa seja a pessoa.
Quando os cidadãos americanos em
Eretz Israel têm filhos, eles precisam ir
ao Consulado Americano
registrá-los para receber um Relatório Consular de
Nascimento no Exterior (no lugar
da certidão de nascimento) e, se desejarem
viajar com seus filhos, também
podem solicitar um passaporte.
Um conhecido meu, um jovem que
estuda em um kolel, certa vez apresentou todos os papéis necessários para
registrar o seu filho. Porém, de repente, teve que viajar para os EUA para
uma emergência médica. A fim de levar seu filho com ele, teve que mudar
seu requerimento de um pedido de passaporte regular para um pedido de
emergência. Ele ligou para o consulado em pânico, o vice-cônsul atendeu ao
telefone e disse ao rapaz que ele cuidaria para que as solicitações fossem
alteradas.
Quando o jovem foi buscar o
passaporte de emergência alguns dias depois,
escreveu um bilhete de
agradecimento ao vice- cônsul e sua equipe por
ajudá-lo.
A família foi para a América,
cuidou da questão médica e voltou para Eretz Israel. Alguns meses depois, este
jovem voltou ao consulado para solicitar um cartão de Seguro Social para o seu
bebê. Quando a pessoa atrás do balcão viu o nome no requerimento, ela disse:
“Ficamos gratos por seu bilhete. Ainda está pendurado no quadro de avisos em
nosso escritório”.
Aparentemente, os farmacêuticos
não são os únicos que apreciam palavras
gentis. Os burocratas também.
Todas as pessoas e até mesmo grandes rabanim
precisam de um discurso atencioso
e gentil. Mas mesmo isso ainda não é tudo.
Gostaria de compartilhar com
vocês uma incrível explicação de um trecho
do Talmud que ouvi em nome do
Rabino Shlomo Freifeld Z”TL (EUA, 1925-1990).
O Talmud (Shabat 89a) relata
que quando Moshe Rabbeinu subiu aos céus, viu
Hashem amarrando coroas às letras
da Torá.
Hashem disse a Moshe: “Não é
costume em sua cidade dizer 'Shalom'
quando você encontra alguém?”
Moshe respondeu: “Um servo
precede seu mestre ao desejar 'Shalom'?
O protocolo é que o Mestre fale
primeiro e não vice-versa”.
“Você deveria ter Me ajudado”,
respondeu Hashem.
O que isso significa? O
Todo-Poderoso precisa da ajuda de um mortal?
Rashi explicou que Moshe deveria
ter dito: “Titzlach melachtecha - Que o Senhor possa ter sucesso em Seu
empreendimento”. Ele viu o Todo-Poderoso fazendo algo e deveria ter-Lhe
desejado sucesso em Seus afazeres.
Quando Moshe ouviu isso, continua
o Talmud, ele disse: “Ve'ata, yigdal na
koach Hashem - E agora, que a
força do meu Senhor seja engrandecida” (Bamidbar 14:17). Moshe deu um cumprimento
ao Criador!
Eu lhes pergunto: como entendemos
essa passagem? Será que o Todo-
Poderoso, o Onipotente, precisa
de palavras de elogios, de palavras de
encorajamento?
A resposta, disse o Rabino Shlomo
Freifeld, é que o Mestre do Universo
queria nos ensinar uma lição: não
importa quão grande seja a pessoa, todas
precisam de um ‘tapinha nas
costas’, um elogio, um hizuk. Ninguém está além
da necessidade de encorajamento.
Não é o suficiente acabarmos com
a Onaat Devarim em nosso meio, evitar as observações maliciosas e os abusos
verbais. Devemos também nos esforçar para chegar ao próximo nível: encontrar
palavras de grande auxílio, que curem e sejam gentis - palavras que
aumentem o Shalom no mundo, que promovam
bons sentimentos entre as pessoas
e que unam as pessoas dispersas.
Esta é a única maneira pela qual
seremos merecedores de receber a vinda
de Mashiach, em breve, em nossos
dias, Amén!
Que possamos ter uma ketivá
vehatimá tová, um ano com muitos nachat
(alegrias) com nossos familiares,
saúde e presenciar a tão longamente
aguardada gueulá (salvação) deste
longo e amargo exílio.
SHANÁ TOVÁ A TODOS!
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